segunda-feira, maio 21, 2012

Vamos beber na fonte de Duchamp

O dadaísmo foi um movimento anti movimento. Se contrapunha a tudo o que se fez e afirmava que nada deveria ser definido, estandardizado, que os manifestos eram inválidos (apesar de terem feito uma boa quantidade deles, principalmente o seu maior mentor, Tristan Tzara), e que a beleza estava morta. Até o próprio nome do movimento foi motivo de celeuma, segundo os dadaístas não havia intenção específica para o nome e cada um poderia atribuir a razão que bem entendesse. O próprio Tzara listou uma série de justificativas absurdas para o nome do movimento. O conceito da arte dadaísta então é ir contra tudo o que se havia feito em termos de arte, era a arte se dando o direito de abolir a lógica em sua criação, subverter todos os valores e não por se mostrar subversiva, mas por afirmar que nada deveria ser estigmatizado. Na sua busca por linguagens alternativas os dadaístas usavam materiais inusitados para obras de arte, tal como lixo, sucata, recortes de jornais (segundo Tzara poderia se fazer um poema dadaísta com recortes aleatórios de artigos de jornal) e mais uma sorte de materiais que viessem a cabeça do criador, que não poderia se prender a nada e nenhum conceito que o limitasse.
Marcel Duchamp, A Fonte - 1917
Neste modo de fazer arte Marcel Duchamp ficou bastante conhecido e até hoje suas obras causam impacto. Um professor de música (meu amigo Levi Guedes), me disse certa vez que a humanidade nunca está preparada para a música que se faz na atualidade, hoje em dia ouve-se Bach, Beethovem, Brahms e outros eruditos como se fossem atuais e a grande maioria, não tem capacidade de ouvir ainda Bartók, Cage, Kachaturian ou Shoemberg, entre outros e veja bem que todos citados acima já estão mortos, mas parecem ainda hoje muito “revolucionários”. Vejo isto acontecendo com frequência nas artes plásticas, Duchamp já tem quase 100 anos de mostra da peça “A fonte” e ainda hoje causa espanto e choca as pessoas que tentam apreciar arte com o botão do preconceito ligado. Isto é a essência Dada. Desligue o botão do preconceito, aprecie a obra pelo que ela é e não pela sua capacidade pessoal de associar à obra outras coisas e ideias. A fonte propõe um mictório como uma obra de arte e para escandalizar de vez usa um nome que não parece condizer com o que vemos. É atribuído a Duchamp – e com propriedade – a criação do que hoje é conhecido como “Ready Made”, objetos prontos são automaticamente promovidos a obras de arte, sem que tenham que passar por alterações ou acabamentos. A fonte é o exemplo mais clássico disso. Apenas pegou um mictório e promoveu-o a obra de arte. Alguns bizarros chegam a argumentar que o mictório tem formas curvas e portanto lembra uma forma feminina e o ato de urinar em uma forma feminina teria uma explicação conceitual e psicológica embutida. Acho isso mais bizarro que a própria obra, mas involuntariamente alimenta a vontade dadaísta de criar polêmica. Quanto mais inusitado e cheio de duplos sentidos o objeto, mais impacto ele causa. Mais dadaísta ele se torna. Querer vestir de lógica e argumentos uma obra desta natureza é tentar aparecer mais que a obra, acho que é o mesmo que tentar coassinar com Duchamp sua obra mais marcante. Mas, como ele era dadaísta, talvez não se opusesse, acho que na verdade ele nem daria atenção a tal bobagem.